segunda-feira, julho 25, 2022

A CARNE SACRIFICADA PELO AMOR

 

O tema sobre o consumo de coisas sacrificadas aos ídolos é tratado por Paulo na primeira carta aos coríntios e, posteriormente, no livro dos atos dos apóstolos. O apóstolo Paulo responde a uma pergunta que lhe foi feita sobre o consumo de carne sacrificada aos ídolos e instrui os coríntios como lhe parece acertado, todavia, no livro de Atos é narrado o resultado do primeiro concílio, em Jerusalém, do qual resultou um “preceito necessário” (15:29) que pareceu correto não apenas à um apóstolo, mas à maioria do concílio e ao Espírito Santo, qual seja, o de que os crentes se abstivessem da carne sacrificada aos ídolos.

Segundo o que Paulo ensinou aos coríntios, o ato de se alimentar de carne que havia sido sacrificada aos ídolos era conduta que não tornava alguém melhor e nem pior (I Co 8:8), pois o ídolo (a estátua em si) não é nada e a consagração de um alimento (feito para o ventre) a esse ídolo não contamina o homem, até porque, segundo Jesus nos ensinou, não é o que entra pela boca que contamina o homem, sim o que sai dela (Mt 15:18).

O apóstolo explica que o comer não é pecado, que os alimentos foram feitos por Deus e deveriam ser recebido com ações de graças, sendo que nada é rejeitado por si mesmo (I Tm 4:4) e que se a consciência do indivíduo, uma vez fortalecida pelo “conhecimento da verdade” (I Co 8:7), não o acusar, ele deve comer de tudo o que se vende no mercado sem questionar se a origem é sacrificial ou não (I Co 10:25), santificando com ações de graça aquilo que ingere (I Co 10:30).

Esse é o ensino paulino sobre a liberdade que Cristo nos conquistou e nos outorgou para vivermos nela, porém, ele colocou o exercício dessa liberdade num degrau abaixo do amor ao próximo, ademais, ele entendeu que abrir mão dessa liberdade em determinadas situações é um dever de quem ama o próximo. A liberdade que Cristo nos conquistou é um Caminho, mas nesse caminho há uma trilha sobremodo excelente, que é o amor (I Co 12:31).

Paulo considera que o conhecimento da Verdade dos mais novos é um processo que deve ser preservado, inclusive com a renúncia de direitos por parte dos mais velhos, se necessário. Ele disse que não são todos os crentes que sabem que os ídolos não são nada e que “há um único Deus”, e que os crentes desprovidos deste conhecimento, se comerem algo sacrificado ao ídolo, tendem a considerar aquele consumo como uma participação no sacrifício, por mais que não seja, e isto por causa da familiaridade que tinham até ali com o ídolo (I Co 8:7).

O apóstolo também ensina que do mesmo modo que comer do pão e tomar do cálice na ceia é ter parte com Cristo – por causa da consagração interior que fazemos daqueles elementos exteriores – o comer da mesa dos demônios é ter parte com eles, todavia, só se isto afetar a consciência de quem está nessa mesa, pois, caso o crente tenha o conhecimento de que o sacrifício oferecido não significa nada, aí, nesse caso, pode comer se isto não afetar a sua consciência ou a consciência alheia.

Esse é um ensino refinado e inteligente, na medida em que uma das definições de inteligência é a capacidade de fazer distinções. Paulo apresenta o tema e estabelece distinções que fazem toda a diferença na conduta do crente, todavia, em sendo o evangelho o poder de Deus para todo o que crê, e sendo a crença uma faculdade dos que tem conhecimento, mas também dos que nunca terão, aprouve aos apóstolos, reunidos em concílio, em tornar o conselho de Paulo como um “preceito necessário” (15:29), ou seja, essa renúncia (do direito de comer de tudo em prol dos mais fracos) passou de um ato de amor à um preceito eclesiástico.

É triste que o belo ensino paulino tenha sido amiudado e transformado em regra no Concílio de Jerusalém, isto oito anos após a questão ter sido ensinada aos coríntios, porém, esse é o preço de vivermos em comunhão, ou seja, de nos nivelarmos por baixo em favor, e por amor, dos que (ainda) estão abaixo no conhecimento da Verdade.

Hoje poderíamos listar várias condutas que se enquadram entre as que não nos tornam aceitáveis a Deus e cuja prática não nos tornam melhores e nem piores. Um exemplo é o consumo de alimentos ou bebidas de determinada marca consagrada a um ídolo, assim como o consumo de determinadas bebidas cujo excesso é pecado; aliás, há várias coisas lícitas cujo exercício excessivo é pecado, tais como o comer, o trabalhar, o esporte, o jogar videogame ou o sexo, para ficar nesses exemplos.

Determinadas atividades profissionais, associativas ou políticas em geral também não nos tornam melhores e nem piores. É indiferente para Deus se sou médico ou catador de recicláveis, se colaboro ou não nalguma entidade de classe ou desportiva e se sou um militante político ou um completo alienado nessa área, pois livro de Eclesiastes nos diz que “tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque na sepultura, para onde tu vais, não há obra nem projeto, nem conhecimento, nem sabedoria alguma” (Ec 9:10) e que “todas as coisas me são lícitas”, embora nem tudo me convêm (1 Co 10:23). Tudo o que não é de fé é pecado (Rm 14:23), logo, se sou governado pelo Espírito Santo, se atuo nalguma atividade humana e social e se tenho fé na correção de minha própria conduta, então, sou bem-aventurado, pois não me condeno naquilo que aprovo (Rm 14:22).

Há, neste sentido, três camadas diferentes de pecado. Há a camada mais exterior na qual estão as condutas que a Bíblia diz que são pecados. Exemplos: adultério, roubo, maledicência.

Há uma segunda camada onde se situam os atos que as Escrituras não apontam como pecados, mas que são pecados porque não conseguimos praticá-los sem acusação da própria consciência. Exemplo: consumir algum conteúdo cultural (música, filme, livro) que é associado em minha mente aos pecados que eu praticava no mundo.

Há, ainda, uma terceira camada onde se situam os pecados não descritos nas Escrituras, que também não afetam a minha consciência, mas que, praticados à vistas dos meus irmãos mais fracos, agridem sua consciência de modo a pôr em risco sua própria santidade pelo que eles consideram um mau exemplo (e esta última parte é importante).

Devemos nos abster desses três níveis de males e, ainda, de toda a aparência do mal (I Ts 5:22), ocupando-nos da consciência dos mais fracos, sem, contudo, deixar de insistir no crescimento destes, pois o que um dia foi um ensino restrito aos coríntios que receberam a primeira carta de Paulo, hoje tem o status de Escritura divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça inclusive aos fracos (2 Tm 3:16), que desta forma não tem mais desculpa de permanecerem fracos, pois no tempo presente há muito o que aprender, algumas coisas de difícil interpretação e que não tem sido ensinadas porquanto os fracos tem se feito negligentes em ouvir (Hb 5:11).

Alguns de consciência fraca, que se escandalizam debalde pelo exercício da liberdade dos mais fortes, já deveriam “ser mestres pelo tempo”, mas ainda necessitam do ensino dos “primeiros rudimentos das palavras de Deus”, como meninos que incapazes de “discernir tanto o bem como o mal” (Hb 5:11-14).

 

 

 

segunda-feira, julho 11, 2022

TEXTO E CONTEXTO

A Bíblia diz, sobre si mesma, que "toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a educação na justiça" (Tm 3:16), logo, a utilidade pedagógica, repreensiva, corretiva e moral da Bíblia decorre da inspiração de seu todo. 

A inspiração do canon como um todo torna não recomendável a extração de sentido moral apenas de um texto. É preciso considerar cada texto com o seu consorte para o mesmo tema, ou seja, é preciso considerar o contexto. 

Daí decorre que precisamos identificar os temas nas Escrituras e os textos que tem a mesma sorte de comunicar um mesmo ensino, repreensão, correção ou moral. 

Vamos exemplificar com Malaquias 3:10, que manda a nação toda trazer ao templo ofertas medidas (décima parte), provando a Deus de modo a Ele abençoar a nação sem medida. 

Esse texto é do profeta Malaquias, que é contemporâneo de Neemias e no livro desse profeta (Ne 10:32-39 e 13:10-13) há textos complementares que ajudam a entender o teor de exortação, o quando, o como e o porquê. 

É o todo sobre um tema que nos permite acessar o ensino, a repreensão, a correção ou moral das Escrituras.  

A cronologia bíblica, a concordância temática e a tipologia de personagens, lugares e coisas nos ajudam a descobrir os contextos dos temas. 

A leitura contextual nos leva a um "todo escrito" sobre cada tema, revelando-nos a inspiração, que, como tudo que Deus faz, tem o seu propósito a ser relelado aos filhos.