segunda-feira, março 07, 2011

Entendes tu o que lês?

A Bíblia não é literatura comum. Não é texto, não é ciência, não é arte, não é filosofia e, ao mesmo tempo, é tudo isso e muito mais.
Quer entender a Bíblia? Você precisa de um guia. Uma passagem no livro de Atos (cap. 8) nos ensina este princípio. O relato conta que o Primeiro Ministro da dinastia etíope de Candace estava voltando de Jerusalém para o seu país, por volta do ano 37, vindo de uma peregrinação para adorar no Grande Templo construído por Herodes.
O ministro era conduzido no seu carro de tração animal e lia um papiro com o livro do profeta Isaías, quando um evangelista de nome Felipe se aproximou do carro e lhe perguntou:
– Entendes tu o que lês? Ao quê o nobre homem respondeu com outra pergunta:
– Como poderei entender se alguém não me explicar?
Então, Felipe subiu ao carro daquele distinto governante e passou a lhe expor sobre o tema central que permeia as Escrituras, ou seja, Jesus Cristo. Ao final da exposição o segundo homem mais importante de seu império pediu a Felipe que o batizasse. Aquele homem que em seu reino estava abaixo apenas da Rainha de Candace voltou com sua comitiva para seu reino tendo dado o testemunho de que o seu Senhor supremo era Jesus de Nazaré.
Isto só foi possível com o emprego de dois elementos indispensáveis que são: (1) um homem com fome e sede de Deus, disposto a adorar mesmo sem entender exatamente o que o levava a Deus e (2) um segundo homem cheio do Espírito Santo e de sabedoria (At 6:5) que obedeceu ao comando de Deus e se dispôs a ser canal para a revelação da Palavra.
Esta passagem nos mostra que se fosse possível conhecer a Deus por esforço próprio, o Primeiro Ministro etíope o teria feito. Aquele homem detinha todos os recursos da época, tanto assim que antes da prensa de Gutemberg, quando os escritos eram reproduzidos um a um por escribas (um trabalho complexo, demorado e caro), o etíope já tinha uma cópia do livro do profeta Isaías, e , ademais, tinha condições de peregrinar a Israel para a adoração no Templo, uma viagem por centenas de quilômetros em tração animal, passando pelo calor dos desertos.
Todos estes recursos não eram suficientes para trazer convicção ao coração daquele eunuco etíope, pois somente a revelação das Escrituras, possibilitada por um homem dotado do dom de sabedoria celestial e cheio do Espírito Santo poderia tornar o anseio daquele coração em profunda convicção, tanto que ele recobrou de Felipe que ele o batizasse imediatamente.
Outras duas passagens nos mostram que o dinheiro, o poder, a fama e o reconhecimento não podem revelar a um homem o que Deus tem para ele, pois isto só é revelado por quem detém a sabedoria celestial e é cheio do Espírito Santo.
Em Gn 41 vemos que o Faraó do Egito recebeu de Deus uma palavra de conhecimento, por meio de sonhos, sobre um período de sete anos de seca que adviria nos próximos anos e que poderia ter acabado mais cedo com o Império Egípcio, caso não houvesse um homem de Deus, José, em quem repousava o Espírito Santo, que era cheio de sabedoria espiritual (Gn 41:38-39) e que revelou ao Faraó o significado dos sonhos que este tivera.
No capítulo 2 do livro do profeta Daniel vemos que Deus também concedeu igual palavra de conhecimento por meio de sonhos ao Imperador Nabucodonosor, mostrando-lhe todos os reinados humanos que haveria dali por diante, sob um ótica da degradação da autoridade, e o imperador também não teria compreendido o sentido da visão se não houvesse junto dele um homem de Deus, Daniel, em quem também repousava o Espírito Santo (Dn 4:8) e que também era cheio de sabedoria espiritual (Dn 2:23).
Há, nestas duas passagens, frases que são reveladoras dos critérios de Deus no tocante à revelação das Escrituras Sagradas. Em Gn 40:8 é dito que “Porventura não pertencem a Deus as interpretações?” e em Dn 2:10-11 os magos caldeus, ao serem pressionados pelo Imperador quanto à interpretação dos sonhos disseram: “Não há mortal sobre a terra que possa revelar o que o rei exige”e “O que o rei exige é difícil e ninguém há que possa revelar diante do rei, senão os deuses, e estes não moram com os homens”.  
Tais passagens demonstram que compete a Deus e somente a Ele a interpretação das Escrituras Sagradas por Ele inspiradas. Todavia, como Deus deu a Terra aos homens (Sl 115:16) e como Ele nada faz na Terra sem comunicar aos seus profetas (Am 3:7), Ele conferiu a alguns homens o dom de sabedoria (I Co 12:8) para que, uma vez cheios do seu Espírito, interpretassem as Escrituras. Devemos lembrar que os Filhos de Deus são chamados de “deuses” (Sl 82:6), portanto, se somente os “deuses”podem revelar o que está oculto no que Deus diz, então sãos os seus filhos que hão de revelar Sua vontade, expressa em Sua Palavra.
Esta passagem nos mostra que a interpretação da Bíblia requer co-dependência do Espírito Santo, ou seja, é preciso que aquele que deseja revelação seja dependente do Espírito Santo, bem como aquele que auxilia este último na busca da revelação.
Para quem insiste em estudar a Bíblia apenas como um livro, por mera curiosidade ou duvidando em parte do caráter sobrenatural de seu Texto, a estes Deus reservou que permaneçam sempre confusos a respeito da Palavra (I Co 1:18-31), pois como o mundo não conheceu a Deus através do conhecimento, resolveu Deus se fazer conhecido por uma mensagem que para a maioria é loucura, qual seja, a “loucura da pregação”(I Co 1:21).
Se não fosse trágico seria engraçado ver algumas pessoas bem preparadas intelectualmente “tateando” quando o assunto é Bíblia. Normalmente iniciam dizendo que a Bíblia é um conjunto de livros dos quais já se perderam os originais e que elas foram alteradas ao longo dos séculos por quem detinha interesse em dadas interpretações e que por isso não podemos interpretá-la literalmente, etc, etc e tal.
Ignoram que se Deus não deixou rastro sobre a fidedignidade de sua palavra é justamente para que o crédito à Palavra não se apoiasse no conhecimento histórico, mas para que a certeza sobre o que nela está escrito se apoiasse no que não se vê, porque “a fé é a certeza das coisas que se esperam e a convicção de fatos que não se vêem” (Hb 11:1) e porque assim o homem faria o caminho inverso feito no Édem, ou seja, sacrificaria o “conhecimento”em prol da obediência cega.
Que o Espírito Santo continue seu ministério de nos ensinar todas as coisas (Jo 14:26), incluídas aí as revelações de sua Palavra e, através disso, de nos convencer de nossas condutas equivocadas, do que é certo para nossas vidas e, por conseguinte, do Juízo que um dia advirá ao mundo (Jo 16:8) e do qual temos a esperança de sermos poupados pela remissão da morte sacrificial de Jesus Cristo.   

domingo, fevereiro 06, 2011

Paráfrase 03: Nascimento de João Batista

Paráfrase 03: O Nascimento de João Batista (LC 1:5-25)

A Harmonia dos Evangelhos de A. R. Fausset, teólogo do século IXX, divide os evangelhos em 185 acontecimentos listados cronologicamente. O nascimento de João Batista é o acontecimento de n. 03, contado unicamente no Evangelho de Lucas, no capítulo 1, entre os versículos 5 a 25. Dispus-me a parafrasear este trecho de Lucas recontando os fatos em prosa, na terceira pessoa do singular, e adicionando dados de várias pesquisas sobre o que é relatado nas Escrituras. Não se trata de adicionar nada à Palavra de Deus – nunca ousaríamos fazê-lo –, mas de parafrasear o texto por escrito, exercício este que é feito oralmente há séculos nos ministérios de ensino e pregação da Palavra. Espero poder contribuir com a sua compreensão da Palavra de Deus.

Há mais de vinte anos o sacerdócio era exercido naquele que acabou sendo o último Templo ao Senhor construído em Jerusalém. Os mais de dezoito mil sacerdotes se revezavam nos dezesseis turnos de Eleazar e nos oito turnos de Itamar, completando-se vinte e quatro quinzenas anuais de serviço levítico no Templo construído por Herodes.

Diariamente mais de mil sacerdotes executavam as tarefas de adoração no Templo, cuidando para que tudo o que fosse sagrado pela Lei Mosaica, nos pátios e salas, se conservasse puro absolutamente. Eles eram responsáveis pelos pães oferecidos a Deus, pela farinha de trigo usada nas ofertas, pelos pães achatados feitos sem fermento, pelas ofertas assadas em frigideiras e pela farinha de trigo misturada com azeite. Eram também encarregados de pesar e medir as ofertas para o Templo, de louvar e glorificar o Senhor todas as manhãs e todas as tardes, sem contar as ofertas a Deus queimadas no sábado e nos dias festivos.
Zacarias, um sacerdote casado com uma piedosa mulher chamada Isabel, que era descendente de Arão, estava dedicando a Deus sua quinzena de sacerdócio ao SENHOR, no turno de Abias, provavelmente mês de tamuz, ou seja, meses solares de meados de junho ou julho, quando lhe coube, num dado dia de seu turno, a sorte de entrar no santuário para preparar as lâmpadas e queimar o incenso de especiarias perante o SENHOR.
Durante a ministração de Zacarias a multidão de sacerdotes permanecia orando em seu pátio respectivo, neste que era um momento solene e que ocorria apenas duas vezes ao dia, pela manhã e à tarde, como havia sido ordenado à Arão. Os demais também permaneciam orando, os homens no Pátio dos Israelitas e as mulheres e crianças no Pátio das Mulheres.
Zacarias adentrou o Santo Lugar portando tudo o que era necessário para o serviço: a chama do altar, o azeite para as lamparinas, o insenso, a resina que se extrai da mirra, o pó de ônica e o gálbano. Em sua mente reverente ele lembrava dos ensinos que recebera na longínqua infância sobre o primeiro serviço ao SENHOR feito por Moisés e também sobre a vez que o Rei Uzias foi confrontado por oitenta sacerdotes e ficou imediatamente leproso na testa por ter ousado oferecer incenso ao SENHOR sem ser da linhagem de Arão.
O nervosismo de Zacarias era visível, mas não a ponto de atrapalhar seu serviço. Ele fazia cada movimento com leveza e gravidade ao mesmo tempo. Chegara à velhice sem que o SENHOR lhe houvesse ouvido as preces para dar à sua esposa, Isabel, um filho seu. Ao menos agora ele poderia encerrar sua vida com a oportunidade única, que ocorria não mais do que uma vez na vida de um sacerdote, de adentrar ao Santo Lugar para o serviço do Candelabro e do Altar do Incenso.
Assim que Zacarias pôs os pés no Santo Lugar ele pode sentir o aroma que constantemente exalava dos pães da proposição, da combustão das lamparinas do Candelabro e principalmente das especiarias que queimavam com o incenso no Altar. Dirigiu-se então à sua esquerda, para o serviço do Candelabro, admirado do altar feito de madeira de acácia, todo revestido com ouro puro que ficava à frente da cortina do Lugar Santíssimo.
Diante do Candelabro Zacarias cuidava do pavio de cada um das lamparinas com um zelo sacerdotal, procurando fazer cada tarefa como se fosse a última, sem pressa, aproveitando cada segundo.
Encerrado o serviço do Candelabro Zacarias virou-se à sua direita, em direção ao Altar do Incenso, e foi aí que algo absolutamente inesperado para ele ocorreu, pois ele vislumbrou um anjo do SENHOR postado à direita do Altar. A figura angelical usava uma veste alva e finíssima e era de formidável aparência humana, de quem exalava serena autoridade.
Por uma fração de segundo passou pela mente de Zacarias que ele tivesse feito algo errado e que algum outro sacerdote tivesse vindo repreendê-lo, mas imediatamente Zacarias viu não se tratar de outro sacerdote. Convencido em seu íntimo que se tratava de um anjo do SENHOR, Zacarias ficou perplexo, não dizia coisa alguma e um temor reverencial tomou conta dele, o que foi interrompido pelo anjo, que disse:
– Não tenha medo, Zacarias, pois Deus ouviu a sua oração! A sua esposa vai ter um filho, e você porá nele o nome de João. O nascimento dele vai trazer alegria e felicidade para você e para muita gente, pois para o Senhor Deus ele será um grande homem. Ele não deverá beber vinho nem cerveja. Ele será cheio do Espírito Santo desde o nascimento e levará muitos israelitas ao Senhor, o Deus de Israel. Ele será mandado por Deus como mensageiro e será forte e poderoso como o profeta Elias. Ele fará com que pais e filhos façam as pazes e que os desobedientes voltem a andar no caminho direito. E conseguirá preparar o povo de Israel para a vinda do Senhor.
Passou pela mente de Zacarias naquele momento que a benção infelizmente havia chegado tarde e por isso ele levantou uma objeção ao que o anjo havia dito, respondendo:
– Como é que eu vou saber que isso é verdade? Estou muito velho, e a minha mulher também.
Assim que Zacarias proferiu tais palavras se descortinou diante dele a sua própria incredulidade.
Ele percebeu imediatamente, pela serenidade com que suas palavras foram recebidas pelo anjo, que suas orações haviam sido atendidas de uma maneira que ele e sua esposa nunca imaginariam. Por um momento ele temeu que tais palavras pudessem lhe comprometer a benção, impressão esta que se dissipou com a réplica do anjo, que disse:
– Eu sou Gabriel, servo de Deus, e ele me mandou falar com você para lhe dar essa boa notícia. Você não está acreditando no que eu disse, mas isso acontecerá no tempo certo. E, porque você não acreditou, você ficará mudo e não poderá falar até o dia em que o seu filho nascer.
Zacarias sentia-se muitíssimo grato pela reprimenda, especialmente porque seu filho estava a caminho e suas palavras de incredulidade não haviam comprometido a promessa de Deus trazida pelo anjo Gabriel. Zacarias viu-se inserido, de uma hora pra outra, num grande plano do SENHOR para Israel, pois porque outro motivo DEUS enviaria Gabriel, o anjo que havia ministrado ao profeta Daniel, para lhe comunicar o nascimento de seu filho?
Apesar de mudo, ele se sentia confortado e compreendia perfeitamente que esta medida era imprescindível para evitar que ele, dali por diante, proferisse alguma palavra de dúvida que colocasse em risco a benção que lhe fora anunciada. A dúvida de Zacarias estava fincada em décadas de espera e na convicção de que sua esposa não geraria descendência, já que detinha idade avançada.
O anjo havia desaparecido assim que encerrara suas palavras com o velho sacerdote, que agora estava mudo. O serviço no Altar do Incenso ainda precisava ser feito e Zacarias, chorando e grato a DEUS, arrumava entre as pontas do altar o incenso e as especiarias para pôr o fogo sobre eles.
O aroma do incenso passou a encher o Santo Lugar e Zacarias foi tomado por um êxtase de verdadeira adoração e compreensão do significado da ministração sacerdotal ao SENHOR, motivo pelo qual o velho sacerdote acabou demorando para sair do Santo Lugar, fazendo crer a alguns que havia morrido durante o serviço.
Zacarias saiu do Santo Lugar caminhando vagarosamente, um passo depois outro, olhando para seus irmãos levitas à porta do Santo Lugar e desejando ardentemente lhes falar da maravilhosa experiência vivida durante sua ministração. Ele respondia aos irmãos por acenos e não demorou muito para que eles compreendessem que Zacarias havia tido uma visão no Santo Lugar.
A quinzena do turno de Abias se encerrou dias após e Zacarias voltou à região montanhosa de Judá onde residia com sua esposa Isabel. Lá ele permaneceu mudo e meditando no que ocorrera neste último período anual.
Zacarias sabia que sua esposa Isabel partilhava com ele a incredulidade que demonstrara diante do anjo Gabriel, portanto, sabendo em seu íntimo que sua esposa apareceria grávida, não tentou comunicar-lhe o que o anjo lhe havia dito. Temia que o espírito de incredulidade usasse a boca de sua esposa, já que não podia se valer de suas próprias palavras por ter ficado temporariamente mudo.
Isabel há muito julgava que não poderia ter filho, primeiramente pela aparente infertilidade que tanto poderia ser dela, com de seu marido, mas, ademais, pelo fato de que já contava com idade avançada. Por isso mesmo Isabel demorou a aceitar que as mudanças em seu corpo senil significavam uma gravidez, ainda que soubesse que seu marido havia retornado de Jerusalém tendo vivido uma experiência que, mesmo àquela altura, mudaria suas vidas.
Confirmada a gravidez, não foi surpresa para Isabel que seu marido já soubesse e recebesse a notícia com lágrimas de gratidão à DEUS e terno carinho à sua companheira. Disse Isabel a seu esposo:
– O SENHOR se lembrou de mim, olhou para a minha situação e retirou de sobre mim a vergonha da esterilidade.
Temendo a incredulidade que até então não havia sido liberada por palavra, quer sua, quer de seu esposo Zacarias, Isabel ocultou de seus parentes e vizinhos a sua gravidez por mais de cinco meses, revelando-a somente quando seu ventre não deixava dúvidas a quem quer que fosse de que ela aguardava o nascimento de um filho.
Assim, esta passagem do anúncio do nascimento de João Batista nos revela a importância do silêncio enquanto se aguarda a benção e diante da impossibilidade de confessar a vitória com palavras. Quando a incredulidade passa a assediar o crente não é por outro motivo senão para que ele faça como fez Zacarias diante do anjo Gabriel, ou seja, que levante uma objeção; que saque, do plano das impossibilidades do mundo natural, um argumento que se oponha ao que DEUS, em sua onipotência e absoluta indiferença para com o que é “impossível”, queira fazer por seu infinito poder.