terça-feira, maio 02, 2006

PROGRAMAÇÃO


A automação nos possibilitou passar às máquinas uma série de tarefas que dantes eram humanas e a informática nos possibilitou programar com exatidão a realização destas tarefas por parte das máquinas. Assim, há tarefas que eram executadas diretamente por seres humanos, há apenas uma ou duas gerações, e que hoje são executadas com precisão por máquinas de última geração.


Isto nos traz certa apreensão e nos incita a pensar que também podemos nos programar para realizar, com exatidão, as tarefas que máquina alguma fará por nós. Tendemos imaginar que aquelas boas práticas e todas aquelas tarefas indispensáveis à nossa boa convivência podem ser programadas em nós, de maneira que não precisemos decidir, a cada nova oportunidade, de executamos ou não a tarefa. Tendemos imaginar que podemos programar roboticamente todas as boas práticas de vida e ver em nós, diariamente, a realização automática desta programação.

Não é assim que funcionamos. Na verdade, não “funcionamos” na acepção da palavra, pois aquilo que funciona é porque recebeu uma função e não delibera por si mesmo, como uma máquina, que decorrente de seu projeto, está fadada a realizar uma dada função.

Somos seres dotados de decisão. A cada momento precisamos decidir entre mais de uma opção. Dentre estas opções, muitas vezes, está à opção que infringe o querer de Deus para nós, suas criaturas. Quando oramos “não nos deixa cair em tentação” não estamos pedindo que Deus substitua nosso poder decisório por sua vontade, como se fossemos divinamente teleguiados, mas estamos pedindo a Deus que gere circunstâncias capazes de nos afastar dos cenários típicos do pecado que nos assedia.

Às vezes somos tentados a pensar: “Como seria bom se eu pudesse me programar para dormir todos os dias num mesmo horário, para comer somente o indispensável, para me alimentar somente do que é saudável, para ter meu devocional com Deus, para investir em relacionamentos que agradam a Deus, para colaborar com minha comunidade, etc”. No entanto, se pudéssemos nos programar, como fazemos com nosso despertador, não seríamos humanos, não seríamos feitos à imagem e semelhança do Criador. O fato de não precisarmos responder a tais estímulos, nem mesmo aos estímulos decorrentes dos instintos animais, é um dos elementos que nos caracteriza como seres que transcendem a natureza animal.

Em, síntese, não somos programáveis. Há que fale em programação neurolinguística ou outras programações destinadas ao cérebro humano. A realidade é que podemos aprender e este aprendizado pode pavimentar o caminho da mudança, no entanto, não podemos nos programar para ficarmos inexoravelmente vinculados a uma dada prática periódica. Por mais que aprendamos, por exemplo, que exercícios físicos são indispensáveis à uma vida saudável, ainda assim não podemos gerar em nós uma programação que, diariamente, sempre no mesmo horário, nos coaja a vestir uma malha de ginástica e nos impulsione aos exercícios físicos. Por mais que os ensinamentos quanto aos benefícios dos exercícios físicos possam impregnar nossa visão sobre o tema, ainda assim manteremos, sempre, a disposição sobre o nosso ser, escolhendo se vamos ou não vamos nos exercitar.

O mesmo não acontece com o pecado em nós. Este é rigorosamente programado para violar – todos os dias de nossa vida terrena – a norma que se imponha a nós como agradável a Deus. Seja lá o que for que venhamos a adotar como norma, seja a aquela que claramente emane do texto das Escrituras Sagradas, seja aquela que provenha de votos feitos à Deus, sempre a cobiça de nosso interior corrompido irá buscar uma maneira de transgredir, apoiada em nossos sentimentos, vontade egoística e racionalização.

É uma briga desigual. Enquanto não podemos nos programar para fazer o bem, pois não podemos nos obrigar permanentemente a obedecer a um comando dado anteriormente, o pecado em nós é justamente uma programação de violar toda a qualquer noção de “certo” que venhamos ter. Isto nos leva a uma única solução: a morte. A única maneira de viver sem transgredir o certo, aposto em nosso espírito pelo Espírito Santo, é providenciar a morte desta natureza humana decaída que consiste o nosso ser. No entanto, se esta morte representasse o fim da existência terrena não poderíamos chamar isto de solução, pois a solução pressupõe um meio de superar uma dificuldade para continuidade da vida. Se uma medida visa à morte é porque não houve solução para o problema. Assim, é preciso morrer e continuar vivo.

Morrer e continuar vivo é algo que só o Cristianismo explica. O morrer aqui é tomado no sentido de mortificar, ou seja, aplicar o estado de morto ao que em verdade vive. Para mortificar o corpo é preciso, em primeiro lugar, crer que a morte de Cristo na cruz levou consigo a minha vida terrena e animal e que a vida que ora pulsa em mim e que sustém o meu corpo é uma vida sobrenatural, que advém do Espírito Santo, que ressuscitou a Jesus Cristo dentre os mortos. Ou seja, com Ele morremos em sua morte e com Ele ressuscitamos em sua ressurreição. A mente pode não acompanhar esta dicção, questionando-se como pode alguém estar vivo com a vida de Cristo e não a sua após aceitar o sacrifício da cruz, se visivelmente nada ocorre de diferente com aquele aceita tal sacrifício para si. Se a mente tivesse domínio sobre todos os elementos que compõe o milagre da salvação humana, tal salvação não seria uma obra de fé. O que faz com que sejamos salvos por fé é justamente o fato de que aceitarmos como verdadeiro algo que não é comprovável.

Portanto, não podemos nos programar para executar diariamente um conjunto de tarefas que entendemos ser o ideal para uma vida regrada por princípios e valores extraídos da Palavra de Deus e não podemos evitar o fato de que nosso interior está programado para gerar em nós, diariamente, uma cobiça por tudo o que é errado. Assim, só nos resta mortificar esta natureza decaída, com fé no caráter remitente da obra da cruz e cooperando com esta fé a nossa diligência em fazer, diariamente, tudo aquilo que enfraquece nossa natureza humana-decaída, dando oportunidade ao Espírito Santo de militar contra nossa carne e nos fortalecer em espírito, pois a Palavra de Deus nos garante que se vivermos em espírito, de maneira nenhuma iremos satisfazer as concupiscências da carne.

Esta diligência não pode ser programada, ela é fruto de decisão tomada caso a caso, momento a momento, e só é exitosa ao estarmos em comunhão com o Espírito Santo de Deus. Se nos afastamos desta comunhão, pelos afazeres deste século (ainda que não sejam pecaminosos em si mesmos estes afazeres) tendemos a obedecer à outra programação, a do pecado em nós. Importa, portanto, que vivamos crendo na obra salvadora do calvário, diligentemente buscando a presença de Deus pela oração, pelo estudo e meditação na Palavra, pela reunião com Seu Corpo – a igreja (nos cultos, celebrações e na comunhão íntima com os irmãos) – por jejuns e pelo trabalho servil em relação àqueles que têm necessidades prementes a serem supridas e que encontram, em nós, o agir de Deus em seu favor
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