domingo, fevereiro 14, 2016

BABEL

Jesus Cristo ensinou as doutrinas do Reino dos Céus aos seus discípulos com o uso de linguagem figurada, mas especificamente a parábola (Mc 4:2). Já o Espírito Santo, que o Pai nos enviou em nome de Jesus para nos ensinar todas as coisas (Jo 14:26), segue o mesmo princípio didático, ou seja, foge da interpretação meramente literal – uma vez que a letra mata (II Co 3:6) – e usa a narrativa bíblica para ensinar, redarguir, corrigir e instruir no que é certo, uma vez que as Escrituras são divinamente inspiradas para isso mesmo (2 Tm 3:16).

É por isso que na Bíblia um rio que se abre para o povo passar nunca é apenas um rio, uma machado que flutua nunca é apenas um machado e um peixe que engole um homem por três dias nunca é apenas um peixe, pois cada substantivo e cada verbo apontam para o ensino de uma doutrina específica que nos é ensinada diretamente no espírito pelo professor Espírito Santo.

Debaixo desta convicção eu peço a sua atenção para a Torre de Babel, que está no capítulo onze do livro de Gênesis. O que esta torre nos diz?

Quando Noé e seus sete familiares saem da arca, Deus lhes determina que se multipliquem e que povoem as terras ao redor (Gn 9:7) e, como aquela geração havia testemunhado a quase extinção do gênero humano em decorrência do pecado (Gn 6:7), obviamente saíram da arca com um temor paralisante. Para que os homens pudesse reocupar o território sem medo de um novo dilúvio, Deus promete que não destruiria mais a raça humana pelas águas do dilúvio (Gn 9:11).

Em seguida Noé toma um porre de vinho e fica nu dentro de sua tenda, o que aponta para a fraqueza moral de um homem que fora de casa é um libertador, mas dentro de casa tem suas vergonhas expostas. Dois dos filhos de Noé (Sem e Jafé) cobrem o erro do pai com uma capa e evitam o escândalo, mas o seu terceiro filho, Cão, expõe a nudez de seu pai e zomba dela.

Jesus disse que “é preciso que venham escândalos, mas ai daquele homem por quem vem o escândalo!” (Mt 18:7). Este entendimento parte do pressuposto de que todos erram e que ninguém tem o direito de zombar e expor os erros dos outros. Cão foi amaldiçoado por seu pai Noé (Gn 9:25), de modo que a sua descendência (os cananeus) seria serva da descendência de seus irmãos (povos semitas e jafonitas).

Este é o contexto no qual a Torre de Babel é edificada.

Pois bem, Cão teve quatro filhos, dos quais Cuxe fora o primogênito. Cuxe, por sua vez, teve como primogênito a Ninrode, que era então o herdeiro da maldição de seu bisavó Noé. Não se trata, aqui, de fazer um julgamento moral se Noé deveria ou não ter amaldiçoado seu filho que errou, pois os personagens bíblicos não são, todos, modelos de comportamento, apenas Cristo é o modelo.

Ninrode fora um homem muito poderoso (Gn 10:8) e seu reino abrangia as cidades de “Babel, Ereque, Acade e Calné, na terra de Sinar”, de onde ele saiu para conquistar Nínive, na Assíria, terra que originalmente pertencia à descendência de Sem e não de Cão (Gn 10:10-11). A figura de Ninrode é associada à de um conquistador, um guerreiro e um homem valente, que sobrepujava homens e feras, caçando-os e reduzindo-os à servidão, tendo sido ele o primeiro escravagista mencionado na Bíblia.

O nome Ninrode significa “rebelde” e o historiador Flávio Josefo o descreve como um líder que pregava aos seus liderados “que a única maneira de afastar os homens do temor a Deus era fazê-los continuamente dependentes do seu próprio poder. Ele ameaçou vingar-se de Deus, se Este quisesse novamente inundar a terra; porque construiria uma torre mais alta do que poderia ser atingida pela água e vingaria a destruição dos seus antepassados" (Jewish Antiquities I, 114, 115)”.

Este personagem aponta, portanto, para um líder religioso rebelde, que não cria na promessa que Deus fizera de não mais destruir a raça humana pelo dilúvio. Ele se rebelou contra a ordem que Deus dera de avançar sobre a terra e ocupá-la, antes, ele voltou para terras já ocupadas pelos antepassados de seus pais e lá competiu com eles pelo território, aprisionando-os e dominando sobre eles.

Com seu reino unificado e recebendo tributos das terras conquistadas Ninrode constrói uma grande torre em sua cidade-sede, Babel. Deus havia determinado que os homens se espalhassem e certamente estaria com eles, guiando-os, onde quer que fossem. Ninrode usurpa esta função, fazendo-se único representante de Deus e obrigando a todos os demais a fazer a “obra” de Deus segundo a sua particular visão, ou seja, chegar ao Céu através de uma estrutura de tijolos e betume.

O interessante é que num mundo antigo onde as estruturas mais proeminentes eram construídas com pedra, Ninrode usou o barro, razão pela qual a Bíblia diz que “foi-lhes o tijolo por pedra, e o betume por cal” (Gn 11:3). Você já entendeu o sentido alegórico, ou seja, Ninrode usava o barro – que aponta para o homem – para construir um caminho para o Céu, de modo que o homem se torna apenas um instrumento para levar a vontade do verdadeiro rebelde da Terra até o Céu.

Enquanto no modelo cristão somos ensinados por Jesus a pedir ao Pai que venha o Reino dos Céus para a Terra, e que se faça na Terra a vontade do Deus do Céu (Mt 6:10), no modelo de Babel a ideia é inversa, ou seja, que vá o Reino da Terra aos Céus para que nos Céus se faça a vontade dos homens da Terra.

A narrativa da Torre de Babel se presta a nos ensinar um modelo que deve ser evitado a qualquer custo por todos os que são chamados a servir e conduzir o povo de Deus na Terra. As Escrituras nos mostram que quando o coração do povo está longe de Deus, Ele permitirá que os tais sejam cativos de Babilônica (II Rs 25 e I Cr 9:1), de lá só retornando quando entenderem amargamente (Sl 137:1) a importância de reedificar a Casa de Deus (Ed 2:68), que é o nosso templo interior (I Co 3:16).

Babilônia é um modelo religioso em que o “líder” se torna “poderoso na terra”, conquista novos lugares, dominar sobre ovelhas que deveriam ser pastoreadas, tudo para reduzi-las à condição de escravos que edificam a estrutura central, sob o falso argumento de que estão sendo servidas pelo “líder” e de que se obedecerem estarão cumprindo o seu lugar na estrutura.

A palavra de Deus para os que estão sob este controle é “saí do meio dela, ó povo meu” (Jr 51:45), pois as suas chagas não podem ser curadas (Na 3:19) e ela será abatida repentinamente (Ap 18:10).

Se Você acha que sair de Babilônia é deixar para trás o cajado de alguma liderança iludida por este modelo, sinto em dizer que pode ser bem mais complicado do que isso. Sair de Babilônia é, em primeiro lugar, tirá-la de dentro de Você e isto se faz com entendimento sobre os modelos Cristão e Babilônico, o que evita que pereçamos (Os 4:6).

A segunda coisa é não reduzir a nada o que Deus usou até aqui para te levar ao conhecimento dEle e para te guardar. Não é assim. Sadraque, Mesaque e Abednego eram crentes fiéis e prosperaram em Babilônia (Dn 3:30), aliás, enquanto o povo lá permaneceu, por sessenta e seis anos, três imperadores se sucederam e Daniel foi primeiro ministro de todos eles!  

É certo que o Reino de Deus vai sobrepujar ao Reino da Babilônia, mas o Reino de Deus não vem com visível aparência, ao contrário, ele está dentro de nós (Lc 17:20-21), portanto, quando fomos governados por “justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Rm 14:17), aí saberemos que o Reino de Deus está em nós, que nos pegou por dentro e que saímos de Babilônia, ainda que estejamos cercados por ela. Nesta condição podemos até governar em meio a Babilônia, tudo para que se cumpra o propósito de que a Casa de Deus seja, enfim, restaurada.

Feliz jornada de volta à Jerusalém!