Jesus Cristo ensinou as doutrinas
do Reino dos Céus aos seus discípulos com o uso de linguagem figurada, mas
especificamente a parábola (Mc 4:2). Já o Espírito Santo, que o Pai nos enviou
em nome de Jesus para nos ensinar todas as coisas (Jo 14:26), segue o mesmo princípio
didático, ou seja, foge da interpretação meramente literal – uma vez que a
letra mata (II Co 3:6) – e usa a narrativa bíblica para ensinar, redarguir, corrigir
e instruir no que é certo, uma vez que as Escrituras são divinamente inspiradas
para isso mesmo (2 Tm 3:16).
É por isso que na Bíblia um rio
que se abre para o povo passar nunca é apenas um rio, uma machado que flutua
nunca é apenas um machado e um peixe que engole um homem por três dias nunca é
apenas um peixe, pois cada substantivo e cada verbo apontam para o ensino de
uma doutrina específica que nos é ensinada diretamente no espírito pelo
professor Espírito Santo.
Debaixo desta convicção eu peço a
sua atenção para a Torre de Babel, que está no capítulo onze do livro de
Gênesis. O que esta torre nos diz?
Quando Noé e seus sete familiares
saem da arca, Deus lhes determina que se multipliquem e que povoem as terras ao
redor (Gn 9:7) e, como aquela geração havia testemunhado a quase extinção do
gênero humano em decorrência do pecado (Gn 6:7), obviamente saíram da arca com
um temor paralisante. Para que os homens pudesse reocupar o território sem medo
de um novo dilúvio, Deus promete que não destruiria mais a raça humana pelas
águas do dilúvio (Gn 9:11).
Em seguida Noé toma um porre de vinho
e fica nu dentro de sua tenda, o que aponta para a fraqueza moral de um homem
que fora de casa é um libertador, mas dentro de casa tem suas vergonhas expostas.
Dois dos filhos de Noé (Sem e Jafé) cobrem o erro do pai com uma capa e evitam
o escândalo, mas o seu terceiro filho, Cão, expõe a nudez de seu pai e zomba
dela.
Jesus disse que “é preciso que venham
escândalos, mas ai daquele homem por quem vem o escândalo!” (Mt 18:7). Este
entendimento parte do pressuposto de que todos erram e que ninguém tem o
direito de zombar e expor os erros dos outros. Cão foi amaldiçoado por seu pai
Noé (Gn 9:25), de modo que a sua descendência (os cananeus) seria serva da
descendência de seus irmãos (povos semitas e jafonitas).
Este é o contexto no qual a Torre
de Babel é edificada.
Pois bem, Cão teve quatro filhos,
dos quais Cuxe fora o primogênito. Cuxe, por sua vez, teve como primogênito a
Ninrode, que era então o herdeiro da maldição de seu bisavó Noé. Não se trata,
aqui, de fazer um julgamento moral se Noé deveria ou não ter amaldiçoado seu
filho que errou, pois os personagens bíblicos não são, todos, modelos de
comportamento, apenas Cristo é o modelo.
Ninrode fora um homem muito
poderoso (Gn 10:8) e seu reino abrangia as cidades de “Babel, Ereque, Acade e
Calné, na terra de Sinar”, de onde ele saiu para conquistar Nínive, na Assíria,
terra que originalmente pertencia à descendência de Sem e não de Cão (Gn 10:10-11).
A figura de Ninrode é associada à de um conquistador, um guerreiro e um homem valente,
que sobrepujava homens e feras, caçando-os e reduzindo-os à servidão, tendo
sido ele o primeiro escravagista mencionado na Bíblia.
O nome Ninrode significa “rebelde”
e o historiador Flávio Josefo o descreve como um líder que pregava aos seus
liderados “que a única maneira de afastar os homens do temor a Deus era
fazê-los continuamente dependentes do seu próprio poder. Ele ameaçou vingar-se
de Deus, se Este quisesse novamente inundar a terra; porque construiria uma
torre mais alta do que poderia ser atingida pela água e vingaria a destruição
dos seus antepassados" (Jewish Antiquities I, 114, 115)”.
Este personagem aponta, portanto,
para um líder religioso rebelde, que não cria na promessa que Deus fizera de
não mais destruir a raça humana pelo dilúvio. Ele se rebelou contra a ordem que
Deus dera de avançar sobre a terra e ocupá-la, antes, ele voltou para terras já
ocupadas pelos antepassados de seus pais e lá competiu com eles pelo território,
aprisionando-os e dominando sobre eles.
Com seu reino unificado e
recebendo tributos das terras conquistadas Ninrode constrói uma grande torre em
sua cidade-sede, Babel. Deus havia determinado que os homens se espalhassem e
certamente estaria com eles, guiando-os, onde quer que fossem. Ninrode usurpa
esta função, fazendo-se único representante de Deus e obrigando a todos os
demais a fazer a “obra” de Deus segundo a sua particular visão, ou seja, chegar
ao Céu através de uma estrutura de tijolos e betume.
O interessante é que num mundo
antigo onde as estruturas mais proeminentes eram construídas com pedra, Ninrode
usou o barro, razão pela qual a Bíblia diz que “foi-lhes o tijolo por pedra, e
o betume por cal” (Gn 11:3). Você já entendeu o sentido alegórico, ou seja, Ninrode
usava o barro – que aponta para o homem – para construir um caminho para o Céu,
de modo que o homem se torna apenas um instrumento para levar a vontade do
verdadeiro rebelde da Terra até o Céu.
A narrativa da Torre de Babel se
presta a nos ensinar um modelo que deve ser evitado a qualquer custo por todos
os que são chamados a servir e conduzir o povo de Deus na Terra. As Escrituras
nos mostram que quando o coração do povo está longe de Deus, Ele permitirá que
os tais sejam cativos de Babilônica (II Rs 25 e I Cr 9:1), de lá só retornando
quando entenderem amargamente (Sl 137:1) a importância de reedificar a Casa de
Deus (Ed 2:68), que é o nosso templo interior (I Co 3:16).
Babilônia é um modelo religioso
em que o “líder” se torna “poderoso na terra”, conquista novos lugares, dominar
sobre ovelhas que deveriam ser pastoreadas, tudo para reduzi-las à condição de escravos
que edificam a estrutura central, sob o falso argumento de que estão sendo
servidas pelo “líder” e de que se obedecerem estarão cumprindo o seu lugar na
estrutura.
A palavra de Deus para os que
estão sob este controle é “saí do meio dela, ó povo meu” (Jr 51:45), pois as
suas chagas não podem ser curadas (Na 3:19) e ela será abatida repentinamente (Ap
18:10).
Se Você acha que sair de Babilônia
é deixar para trás o cajado de alguma liderança iludida por este modelo, sinto
em dizer que pode ser bem mais complicado do que isso. Sair de Babilônia é, em
primeiro lugar, tirá-la de dentro de Você e isto se faz com entendimento sobre
os modelos Cristão e Babilônico, o que evita que pereçamos (Os 4:6).
A segunda coisa é não reduzir a
nada o que Deus usou até aqui para te levar ao conhecimento dEle e para te
guardar. Não é assim. Sadraque, Mesaque e Abednego eram crentes fiéis e
prosperaram em Babilônia (Dn 3:30), aliás, enquanto o povo lá permaneceu, por
sessenta e seis anos, três imperadores se sucederam e Daniel foi primeiro
ministro de todos eles!
É certo que o Reino de Deus vai
sobrepujar ao Reino da Babilônia, mas o Reino de Deus não vem com visível
aparência, ao contrário, ele está dentro de nós (Lc 17:20-21), portanto, quando
fomos governados por “justiça, paz e alegria no Espírito Santo” (Rm 14:17), aí
saberemos que o Reino de Deus está em nós, que nos pegou por dentro e que saímos
de Babilônia, ainda que estejamos cercados por ela. Nesta condição podemos até governar
em meio a Babilônia, tudo para que se cumpra o propósito de que a Casa de Deus seja,
enfim, restaurada.
Feliz jornada de volta à Jerusalém!